Tivemos o privilégio de contar com a presença de profissionais da área da saúde e da educação, para discutirmos o método P.L.A.Y. como um método de tratamento comprovado por estudo duplo cego randomizado na intervenção de transtornos neuro-desenvolvimentais; destaque especial foi o de mostrar que a capacitação de pais se torna não só modificadora da evolução de crianças com transtornos neuro-sensoriais, vinculares, de linguagem e do espectro do autismo, mas criadora de um espaço de mudança para as expectativas dos pais que ficam muito restritos nas alternativas de interação com seu filho que depende dos atendimentos especializados. A concomitância desses atendimentos fica sendo muito mais compreendida pelos pais e a parceria somatória modifica exponencialmente o crescimento da criança.
Dois profissionais, presentes no encontro, André (musicoterapia) e Mayra (psicoterapia e psicanalise) fizeram comentários, sobre e como, de sua área de ação, percebem o beneficio e a aplicabilidade concomitante (atendimentos especializados nas áreas defasadas e na interação afetivo-funcional) e como percebem o método.
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Estamos caminhando a passos largos para a turma que iniciará formação em dezembro de 2017. Ainda temos algumas vagas. Se você se interessa, mande seu currículo que lhe responderemos.
Lembramos desde já que abriremos vagas também para o publico em geral no primeiro dia.
Quem acompanha nossa pagina terá especificações claras de como se inscrever, ao longo do inicio do segundo semestre.
As datas já estão definidas. Coloque um lembrete para a primeira semana de dezembro
Abraços a todos que acreditam no potencial das crianças!
Maria Sonia Goergen, MD, neuropediatra
Coordenadora do Centro Neuroplaybrasil
GREENSPAN, WIEDER E O MODELO P.L.A.Y.: ALGUMAS REFLEXÕES
André Brandalise1 PhD
Em função da minha tese de doutorado, realizei busca e analisei pesquisas que associam o tratamento da pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) com abordagens de psicoterapia. Descobri que há uma tendência no empreendimento de pesquisas com foco cognitivo-comportamental como método que visa melhorar determinados padrões de comportamentos destrutivos, déficits de comunicação social e ansiedade entre outros objetivos terapêuticos (CHALFANT, RAPEE & CARROLL, 2006; FREITAG et al., 2013; LERNER, WHITE & McPARTLAND, 2012; STORCH et al., 2013). Um dos principais objetivos da abordagem cognitivo-comportamental é o de treinar indivíduos a adquirirem habilidades para a vida (e.g., habilidades sociais, habilidades para brincar). A ênfase na pesquisa que utiliza este modelo pode estar relacionada à facilidade em medir resultados e, consequentemente, em obter financiamentos em comparação com pesquisas com foco psicodinâmico.
Em contraste à abordagem cognitivo-comportamental, os modelos de psicoterapia dinâmica reconhecem como primordial o vínculo e a relação e entendem que a mente é construída a partir de configurações inter-relacionais de um self em relação a outros (YALOM & LESZCZ, 2005). Muratori e Maestro (2007) escreveram sobre intervenção precoce com crianças com TEA e concluíram que as diferenças em comportamento, emoção, e funcionamento cerebral de uma criança com TEA são efeitos de deficiências inter-subjetivas.
Muratori (comunicação pessoal, 2013) confirma que pesquisas sobre psicoterapias psicodinâmicas com pessoas com TEA precisam ser mais frequentes. Entre os modelos dedicados ao tratamento com a pessoa com TEA, que pensam sobre problemas de conexão relacional e expansão de emoções interacionais, Muratori e Maestro (2007) enfatizam a abordagem Developmental, Individual differences, Relationship (DIR) (GREENSPAN & TIPPY, 2011). Este modelo estruturou-se baseado na importância da relação e do desenvolvimento. Foi criado pelo psiquiatra Stanley Greenspan (2006) que acreditava que uma pessoa com autismo é incapaz de conectar emoções ou intenções com planejamento motor e sequenciamento. E justamente esta falta, de conexão entre emoção e ação, conduz aos sintomas. Greenspan propôs, então, um tratamento que reforça a importância de identificar diferenças individuais em termos de processamento da informação sensório-motora e tipos de interação que cada criança é capaz de estabelecer com outros.
O foco principal do tratamento proposto por Greenspan é o fortalecimento das interatividades apropriadas às dificuldades específicas de cada criança em termos de processamento da informação e o maior estabelecimento de circuitos de comunicação chamados two-way communication (diálogo). Segundo Greenspan e Tippy (2011), o modelo DIR é eficiente por apresentar a habilidade de mover a criança de um estado de dependência às suas memórias ao rico mundo da abstração.
Greenspan e Tippy (2011) afirmam que “autismo é uma desordem relacionada à comunicação e não uma desordem relacionada a comportamentos que devem ser extintos” (p. 7). Por este motivo, um sintoma não deve ser entendido como um comportamento isolado que precisa ser administrado mas uma expressão que deve ser entendida. Por muitos anos, o tratamento da pessoa com TEA focou objetivos terapêuticos nos sintomas e não nos reais problemas que os geravam. Objetivos terapêuticos eram limitados a mudanças de comportamento. As causas dos sintomas não eram tratadas (GREENSPAN & WIEDER, 2006). É fundamental que um terapeuta seja capaz de observar e escutar os sintomas tentando identificar suas possíveis causas e maneiras de intervir. Se terapeutas somente endereçarem foco nos comportamentos, estes poderão amenizar porém o progresso provavelmente não proporcionará generalizações para níveis mais profundos de relacionamento, comunicação e pensamento (GREENSPAN & WIEDER, 2006).
Em relação ao trabalho com pais, Greenspan and Wieder (2006) acreditam que em determinados momentos e/ou circunstâncias, pais de crianças com TEA necessitam auxílio. Sugerem treinamento aos pais no sentido de ensiná-los a auxiliar seus filhos a expressar suas necessidades, a melhor compreender seus sinais e a responder de forma consistente e calma à demanda de seus filhos. Os autores também acreditam que o treinamento pode auxiliar a criança a melhorar sua autoregulação. Por fim, Greenspan e Wieder (2006) recomendam que, de tempos em tempos, pais possam descansar (take a break).
Apesar de a proposta do DIR fazer bastante sentido, de ter sido uma das questões fundamentais em minha tese a necessidade de nós, terapeutas, não somente “ensinarmos” os pais com os quais trabalhamos sobre TEA e sobre como lidar com determinadas situações mas de acolhê-los, não encontrava nestas duas recomendações de Greenspan e Wieder (2006) um acolhimento ao que buscava como maior suporte parental.
Isto até encontrar o modelo P.L.A.Y. Este modelo foi desenvolvido pelo Dr. Richard Solomon a partir da experiência que obteve ao trabalhar com Greenspan em seu fellowship. Solomon preocupou-se em dar uma atenção aos pais de crianças com TEA acreditando que pais desejam relação e conexão com seus filhos. Redesenhou o P.L.A.Y. visando auxilia-los através de visitas domiciliares onde são orientados por consultores. Recentemente, aqui na cidade de Porto Alegre, conheci o Play Project Brasil (http://www.neuroplaybrasil.com/neuroplaybrasil) cuja coordenação é da neuropediatra Maria Sonia Goergen.
Acredito que o P.L.A.Y. avança Greenspan e Wieder em uma questão fundamental em relação ao acolhimento de pais da criança com TEA: propõe a ESCUTA. Repito, não somente propõe que façam um break, não propõe somente educação sobre a condição do(a) filho(a) mas propõe afinada escuta acerca do que há de habilidades e do que há de dificuldades nos pais. Não tenho muitas dúvidas que avançamos. Não tenho muitas dúvidas que, a partir destas intervenções domiciliares, perceberemos mudanças em nosso pacientes e em suas famílias em nosso consultórios. Mudanças que, entendo eu, serão sólidas por se tratarem de mudanças não somente em comportamentos mas em novas maneiras da pessoa com TEA e de seus familiares poderem se relacionar, se comunicar e pensar.
Seja muito benvindo, Play Project Brasil!
1. Bacharel em música (UFRGS, RS), especialista em musicoterapia (CBM-RJ), mestre em musicoterapia (NYU, EUA) e PhD em musicoterapia (Temple University, EUA). Nesta última universidade foi bolsista por dois anos exercendo as funções de professor-assistente e supervisor. Brandalise é diretor-fundador do Centro Gaúcho de Musicoterapia (POA, RS), vinculado ao Instituto de Criatividade e Desenvolvimento (ICD), onde desenvolve trabalho clínico e de pesquisa com pessoas com TEA. É autor dos livros “Musicoterapia Músico-centrada” (2001) e “I Jornada Brasileira sobre Musicoterapia Músico-centrada” (2003).
Referências:
BRANDALISE, A. The Psychodynamics of Music-centered Group Music Therapy with People on the Autistic Spectrum. Tese de doutorado: Temple University, 2015.
CHALFANT, A. M., RAPEE, R., & CARROLL, L. Treating anxiety disorders in children with high functioning autism spectrum disorders. J. Autism Dev. Disord., 37, 1842-1857, 2006.
FREITAG, C. M., CHOLEMKERY, H., ELSUNI, L., KROEGER, A. K., BENDER, S., KUNK, C. U., & KIESER, M. The group-based social skills training SOSTA-FRA in children and adolescents with high functioning autism spectrum disorder – study protocol of the randomised, multi-centre controlled SOSTA – net trial. Trials, 14(6), 1-12, 2013.
GREENSPAN, S. I. & WIEDER, S. Engaging Autism: Using the floortime approach to help children relate, communicate, and think.Philadelphia: Da Capo Lifelong Books, 2006.
GREENSPAN, S. I. & TIPPY, G. Respecting autism: The Rebecca school DIR casebook for parents and professionals.New York, NY: MetSchools Publishing, 2011.
LERNER, M. D., WHITE, S. W., & McPARTLAND, J. C. Mechanisms of change in psychosocial interventions for autism spectrum disorders. Dialogues in clinical neuroscience, 14(3), 2012.
MURATORI, F., & MAESTRO, S. Autism as a downstream effect of primary difficulties in intersubjectivity interacting with abnormal development of brain connectivity. International Journal of Dialogical Science, 2(1), 93-118, 2007.
NEUROPLAYBRASIL: http://www.neuroplaybrasil.com/neuroplaybrasil
STORCH, E. A., ARNOLD, E. B., LEWIN, A. B., NADEAU, J. M., JONES, A. M., De NADAI, A. S., MUTCH, P. J., SELLES, R. R., UNG, D., & MURPHY, T. K. The effect of cognitive-behavioral therapy versus treatment as usual for anxiety in children with autism spectrum disorders: A randomized controlled trial. Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, 52(2), 2013.
YALOM, I. D., & LESZCZ, M. The theory and practice of group psychotherapy. New York, NY: Basic Books, 2005.
Depoimento de Mayra Lorenzoni2
Tive a imensa satisfação de receber o convite da equipe do Play Project Brasil, coordenada pela neuropediatra Maria Sonia Goergen, para participar do evento no qual o grupo apresentou os fundamentos e a metodologia desta técnica de capacitação de consultores que uma vez habilitados possam auxiliar os pais de crianças com transtornos neuro -desenvolvimentais (sejam de etiologia vincular, de linguagem, neuro-sensorial ou no TEA).
Eu, na qualidade de psicanalista de crianças, encontrei muitos pontos de intersecção do Projeto P.L.A.Y, com o lugar do “brincar na psicanalise de crianças”.
O P.L.A.Y contempla a participação direta dos pais, embora utilizando de intervenções indiretas para com os mesmos no “aqui e agora” da criança, criando o que Winnicott denominou de “espaço potencial”, no qual pais e filhos podem vir a desenvolver a habilidade de brincar juntos.
O P.L.A.Y ao desenvolver nos pais a capacidade de se tornarem lúdicos com seus filhos, mobiliza um estado primário do seu mundo psíquico através de um “retorno ao inibido” a serviço do ego, que traz de volta ao adulto, segundo Florence Guignard, o seu infantil ao vivo! Este fenômeno psíquico parece resultar numa experiência humana profunda, compartilhada, reeditável. Efeito este, que na maioria das vezes não conseguimos atingir através de consultas de orientação aos pais quanto a importância de um brincar diferenciado com seus filhos do Espectro Autista, uma vez que a interação precisa ser integradora a partir do alicerce onde a palavra fica pouco eficiente sem este ponto de contato, neuropsicosensoriomotor. E, é bem neste ponto que percebo a riqueza deste programa que transcende seus fundamentos, articulando teoria, técnica e o afeto.
Pude observar que o perfil das consultoras do P.L.A.Y são de pessoas sensíveis, afetivas e tecnicamente preocupadas em constituir um espaço com os pais e com a criança onde circulem elementos como o olhar, a escuta, a sensorialidade, a sensibilidade ao ritmo da criança, o estímulo, o compasso de espera, e o tempo de reação emocional de cada criança. E é aqui que se dá o que o psicanalista italiano, Antonino Ferro, identifica como o encontro de várias mentes (pais e consultora) em busca da construção de sentidos para a criança autista.
O P.L.A.Y, no meu entendimento, vai gradualmente desenvolvendo nos pais a consciência da importância de seu papel no brincar e da presença do “outro” com quem a criança possa vir a interagir, mesmo de forma incipiente. Ferro postulava que a presença mental dos pais é o que permite que o jogo interativo da criança, mesmo que precário e inicial, possa ser potencialmente transformador das angustias primitivas infantis.
Em minha concepção, tanto a técnica psicanalítica quanto o P.L.A.Y. acentuam a relevância de brincar, considerado por ambas, com dotado de profundo valor terapêutico.
Para Winnicott é somente no brincar que é possível a comunicação.
Vejo o P.L.A.Y como uma forma altamente especializada em sua função de instrumentalizar os pais a auxiliar seus filhos a buscarem uma comunicação consigo mesmo e com os outros.
E para que isso ocorra, entra mais uma vez aqui o papel consultoras, que é o de estimular os pais a introduzirem o seu próprio brincar como modelo fundamental para seu filho que se inicia dentro de um processo imitativo podendo evoluir para um aporte identificatório.
Essa atividade ocorre numa área que corresponderia para psicanálise como a do espaço transicional (Winnicott), uma área de experimentação, a qual contempla a possibilidade de uso do objeto real de acordo com suas necessidades.
No P.L.A.Y. cria-se o espaço e o tempo de pais e crianças viverem a experiência do brincar- interagir na realidade, o que parece ser o fator verdadeiramente terapêutico e mutativo em seu desenvolvimento emocional.
Ao oferecer a experiência com objetos reais, permite a criança e aos pais vivenciarem a mesma num contato de afetividade e reciprocidade, o que pode levar efetivamente a mudança psíquica intra e inter psíquica.
Os vídeos e os relatórios, como guias aos pais e a participação ativa do consultor, auxiliam, por meio de um olhar atento e interativo, como “um imã”, integrador dos núcleos dispersos do ego.
A medida que os pais destas crianças percebem o “olhar” das consultoras sobre eles, oferecendo significado as suas atitudes interativas com seu filho, passam também a sentir-se investidos e legitimados na sua função parental, o que os torna capazes de desenvolver um novo olhar sobre sua relação com seu filho permeado marcadamente pela pulsão de vida, agora ativa e compartilhada.
A medida que os pais destas crianças percebem o “olhar” das consultoras sobre eles, significados aos seus momentos interativos, passam a sentir-se investidos e legitimados na sua função parental, o que os torna capazes de desenvolver um novo olhar sobre sua relação com seu filho, permeando-a marcadamente pela pulsão de vida, agora mais ativa e compartilhada.
2.
Psicanalíticos de Porto Alegre (CEPdePA).
Centro de Estudos, Atendimento e Pesquisa da Infância e Adolescência (CEAPIA).
Psicanalítica de Crianças e Adolescentes do CEAPIA.